terça-feira, 15 de abril de 2014


"Quão bela és ó amada minha,
Teus cabelos negros como corvos, perfumados.
Seu tambor que nem som tinha,
Alegrando meus sonhos alados.

Mais agradável de ver que a guarda do reino,
Mais cobiçada que o ouro e a prata,
Nem a grande cidade me teria por inteiro,
Lança que carrega e de amor me mata.

Lábios vermelhos de um tom inebriante,
Nem a extinta guarda escarlate teria tal cor.
Sou louco, andarilho, da beleza amante,
Seu olhar de flechas, afugenta a dor.

Canto as canções que tu amas, dedilhando a viola.
Sorriso teu mais alvo que veste santa,
Teu abraço minh'alma não mais implora,
Pois te tenho comigo, e o reinado canta.

Correremos entre as montanhas, e pelas florestas,
Nas margens dos rios e na grande savana,
Sem temer as bestas, sem temer as feras,
Já que o amor a morte engana."



Poesia encontrada por um estudioso entre páginas rasgadas de alguns livros no Grande Salão, de autor desconhecido. 



Andhor, um dos guerreiros que subiram.

                       A inquietude e ansiedade gritavam dentro de Andhor. Despertou antes do povoado da cidade, afiou sua espada e calçou suas botas escuras. Sua breve refeição tinha algumas frutas pequenas e poucos pedaços de queijo que foram cortados com seu próprio punhal, além de uma caneca grande de madeira que transbordava espuma de alguma cerveja quente e amarga que a cada gole empurrava o alimento para seu estômago.
                       Apenas o fato de saber que na superfície encontraria desafios maiores, seus anseios o empurravam para longe das profundezas daquela cidade transportada por magia, daquela prisão subterrânea.
                       Aquela falta que sentia era da época dos combates contra criaturas ao redor do reino, das pequenas guerras contra outros reinados. A vida só tinha sentido na luta por ela, e ficar esperando ela acontecer não combinava com o guerreiro.     Existiam dias específicos para que alguém pudesse subir, e esse não era o dia.
                        Os guardas vestindo suas placas vermelhas e brancas formando belas armaduras estavam aos grupos nas passagens para os túneis que levavam para fora do lugar. Nem mesmo aquela iluminação amarelada e fraca feita por fogo e magia permitia alguém se camuflar para uma fuga sem suspeitas, então o humano Andhor teria que enfrentar os sentinelas. Encontrou com os dedos algumas moedas de prata no fundo bolso esquerdo, e parou na frente de uma loja de ervas e especiarias.
                         Na estrutura de madeira cheirando a eucalipto e musgos, saiu de um corredor lateral pouco iluminado uma senhora de pele enrugada e parda, com olhos verdes claros e vestes surradas e de um marrom fraco e aparentemente sujo.
                        -Em que posso ser útil meu querido? - Ao abrir a boca e revelar      sua voz rouca, seus poucos e escuros dentes deixaram escorrer uma pasta úmida de alguma folha que mascava.
                        -Um punhado de ervas para ferimentos e outro de ervas contra envenenamento. - disse Andhor, retirando as moedas de prata do bolso e repousando-as no balcão do lugar, enquanto a velha preparava seu pedido. Guardou as ervas prendendo os pacotes no cinto e andou em direção aos guardas em uma das passagens para o alto.
                        Percebendo sua aproximação, um som rápido de metal fora emitido das armaduras dos guardas, que ficaram enfileirados em sua frente, no que um deles, provavelmente o líder, se encaminhou com a mão direita erguida pretendendo impedir o avanço do homem.
                         -Você não pode passar. Se bem sabes, daqui a 3 meses as passagens serão liberadas, até lá ninguém passa.- o guarda abaixou a mão e cruzou os braços revestidos de metal, olhando por cima já que sua estatura era um pouco maior que o guerreiro.
                          -Saiam da minha frente, por que vou passar de qualquer forma, agora você que decidirá se passarei ou não sobre seus corpos. - Andhor falou tirando sua espada da bainha, encostando sua ponta no chão lentamente, descansando uma mão sobre a outra na extremidade do cabo de sua arma envolvido por filetes escuros de couro, no que todos os guardas, cerca de 12 deles, ergueram suas lanças, com semblantes semicerrados e marchando contra o desafiante rebelde.
                           -Não irei repetir...- o guarda tentou se aproximar de Andhor, que num giro corporal rápido, bateu com o cabo da espada na lateral direita do corpo do guarda que na dor envergou-se, se tornando vítima do guerreiro, prendendo seu pescoço com o braço esquerdo, ameaçando cortar-lhe com sua lâmina segurada pela mão direita.
                           -Todos recuem se não eu o mato!- Andhor percebeu o temor nos demais guardas pela vida de seu líder, e andou para trás com sua presa chegando cada vez mais próximo do portão que dava acesso ao túnel, quando notou que a cavalaria vinha de encontro ao lugar que estava.
                          No momento que os cavalos chegaram com seus dominadores, o guerreiro chutou as costas do líder da guarda num som de impacto afastando o mesmo de si, e correndo em disparate para a entrada, saltando num impulso e deslizando no chão de pedras retangulares, passando numa brecha por baixo do portão de ferro.
                          Um guarda mais novo em sua aparência arremessou sua lança para atingir Andhor, que no susto deu um passo rápido para trás se esquivando, e recolheu a lança levando-a consigo e desaparecendo aos poucos numa das curvas do túnel pouco iluminado por archotes. "Liberdade", foi a palavra que veio à sua mente. Quanto mais andava pelos túneis mais parecia que eles não terminariam, mas apenas o fato de sair daquela cidade onde muitos se refugiavam já alegrava-o, trazia vida para sua alma.
                           Chegou numa parte onde não havia iluminação, e continuou caminhando retirando um archote da parede para enxergar o caminho. Aquelas chamas fizeram ele lembrar das fogueiras que acendia para sua esposa e seus 2 filhos que deixou numa das 5 aldeias do norte florestal, antes de ir à cidade para procurar quem pagasse por seus serviços, quando de surpresa, fora transportada para baixo, afastando-o de sua família por anos, "todos devem estar bem mais velhos e não sei se me reconheceriam, mas tenho a esperança de que irei vê-los novamente", pensou quando recordou que a energia motivadora da mudança da cidade tinha também o poder de retardar o envelhecimento de todos, e ele mesmo tinha permanecido com a mesma aparência de anos atrás.
                             Após horas e horas de caminhada resolveu descansar, num lugar ainda sem iluminação, repousando o archote no chão e deitando ao lado da lança e da espada, e dormiu.
                             Sonhou com guerras e homens morrendo ao fio de espadas. Viu flechas às saraivadas indo de encontro ao corpo e escudos de tropas que gritavam seus gritos de batalha e suas dores. Sonhou com um ser alado que descia de encontro aos homens atirando flechas nos mesmos, enquanto alguns eram consumidos por fogo azul de suas magias. E viu essa criatura voando sobre as aldeias, viu pessoas gritarem e correrem, corpos e sangue, fogo e mais gritos, viu sua mulher chorando e sua casa em chamas. Acordou num susto, suando e com pupilas dilatadas, com a mão direita puxando sua espada, e percebeu que teve um pesadelo. Levantou afastando a poeira das vestes e de seu cabelo escuro, e decidiu continuar andando, já que tinha a esperança de ainda ver sua família, mesmo sabendo que isso seria quase impossível, mesmo que custasse a própria vida.